Muitas das suas inúmeras fábricas, antigamente povoadas por operários têxteis, cheias de vida e de gente fervorosamente dedicada ao seu trabalho, estão agora abandonadas e habitadas por outros seres. As aranhas e as suas teias, que tudo adornam, transportam-nos a um passado não tão distante quanto possa parecer.
Esta cidade portuguesa, situada na encosta da Serra da Estrela, tem estado, desde sempre, ligada ao tratamento de lã e à produção de lanifícios. Com a industrialização, tornou-se uma potência têxtil comparável a algumas das cidades inglesas mais avançadas, passando a ser conhecida como a Manchester portuguesa. Das suas cerca de 200 fábricas e oficinas exportavam-se tecidos para todo o mundo, os seus debuxadores eram premiados em eventos internacionais e às suas gentes nunca lhes faltou trabalho. Um trabalho duro, com um horário prolongado (as fábricas trabalhavam em dois turnos, durante as 24 horas), mas mesmo assim preferido por muitos às únicas alternativas possíveis: a agricultura ou a pastorícia.
Entre os anos 60 e 80 do século passado começou um declínio rápido, muito rápido, e quase todas as fábricas fecharam. As razões são muitas mas a proximidade dos factos, a ferida aberta daqueles que perderam os seus empregos e dos que arruinaram as firmas herdadas, torna ainda hoje difícil realizar uma análise fria e certeira. Parece claro que a abertura aos mercados asiáticos e o contexto sócio-político que se seguiu ao 25 de Abril tiveram um papel decisivo neste destino.
Mas algumas fábricas, poucas, resistiram. Modernizaram as suas instalações, investiram no sentido e momento adequado e escaparam à maldição. Nestas não há aranhas e a fúria dos deuses ficou às portas. Nestas encontramos mulheres, as mesmas mulheres que protagonizam «As Fiadeiras», mas que mudaram a roca de fiar e a meadeira por máquinas modernas. As mesmas mulheres que, curvadas sobre os tecidos, como sempre se fez, se concentram em revisar as peças e corrigir, fio a fio, o que o tear não teceu.
Nesta exposição, Pedro Ortuño dá-nos a sua visão da indústria da lanifícios da Serra da Estrela. Retrata as Aracnes, não tão jovens, que sobrevivem no meio de tecidos, desconhecendo qual será o seu futuro e o das fábricas onde trabalham. Retrata os aracnídeos e as suas teias, que se apoderaram das máquinas paradas.
As suas obras (fotografias , áudio e instalação) aproximam-nos à realidade desta região que ele próprio foi descobrindo, pouco a pouco, durante os meses em que esteve a viver e a trabalhar na Covilhã.
O título escolhido: «Arqueologia do presente: lanifícios» aparentemente paradoxal na sua primeira parte, faz-nos reflectir sobre o estado actual de muitos destes edifícios fabris, recordar o seu passado e imaginar a sua evolução futura.
A instalação parece evocar a exportação dos tecidos covilhanenses. Uns ramos queimados, provenientes do grande incêndio que este verão devastou grande parte da encosta onde se ergue a Covilhã, equivalem aos caminhos percorridos pelas roupas e tecidos, numa metáfora do que deixou de ser.
As fotografias, organizadas em dípticos e trípticos, apresentam vários tipos de emoldurados e variam de planos gerais a detalhes. Enquadramentos escolhidos que nos levam do silêncio em suspensão dos espaços abandonados à concentração calada do trabalho fabril.
Graças a Pedro Ortuño, colocamo-nos no papel do «arqueólogo do presente» e por sua mão, entramos em diversas fábricas , passeamos pelos seus espaços e encontramos imagens que nos surpreendem, que cativam o nosso olhar e que conseguem explicar o que aconteceu nesses lugares noutro tempo. Descubrimos, igualmente, algo que só vêm os olhos que querem ver: a beleza escondida dos espaços abandonados.